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sábado, 6 de novembro de 2010

O ESTADO MONÁRQUICO VERSUS O ESTADO REPUBLICANO

Algumas mudanças, na transição do Império para a República, estavam em andamento, tais como o regime político, o sistema eleitoral, o tipo de relação entre os poderes do Centro (Rio de Janeiro) e dos Estados, a apropriação do poder republicano pelas elites latifundiárias (cafeicultores), o desenvolvimento da cafeicultura, o crescente aumento do capital inglês no financiamento da cafeicultura, a inserção do Brasil  no mercado mundial, a passagem da economia brasileira de comercial para comercial-financeira, a valorização do capital, a abolição da escravatura, a ampliação do trabalho livre, a entrada dos imigrantes e tantas outras mudanças. Pode-se ainda acrescentar que a ideia republicana já estava embutida em vários movimentos de “rebeldia” que ocorreram: Inconfidência Mineira, Inconfidência Baiana, Revolução de 1817, Confederação do Equador e Revolução Farroupilha.

É comum, entre os historiadores, dizer que o Estado monárquico era caritativo e paternalista. A vida se processava numa relação de troca, numa negociação entre o povo e o Império, pois o Estado monárquico promovia, de certa maneira, os auxílios e amparos públicos. De um lado, serviço e lealdade, e, de outro, proteção e recompensa. Isto gerou a ideia de “mentalidade paternalista” e de “paternalismo brasileiro”, e foram construídas, por isto, figuras carismáticas, como o próprio D. Pedro II e D. Obá II. Estes, aliás, tinham as suas bases de sustentação no assim chamado paternalismo. 

Politicamente, eram excluídos os pobres, mendigos e mulheres. Estes ficavam fora da sociedade política. As elites agrárias dominavam o Império, enquanto o povo confiava no paternalismo que, no fundo, era uma forma de dominação implícita, porém, era uma forma de se conseguir alguns “direitos” e proteção numa vida sem expectativas maiores do que a subsistência.

Entretanto, o Império era um obstáculo ao crescimento dos setores dominantes, na medida que era muito centralizador. E ainda outros não se sentiam à vontade no Império, como por exemplo os operários do Estado, para redefinir suas aspirações e papel político. 

Por outro lado, com o Estado Republicano, o Brasil mudava a forma de governo sem revolucionar a sociedade. O povo continuava pobre e as elites na prosperidade. A República instaurada era ainda pouco democrática e muito conservadora, e continuava sendo o país do latifúndio e do café. Contudo, novas transformações políticas abriam caminho, ou seja, desaparecia o Poder Moderador, foi extinto o caráter vitalício do Senado, o desaparecimento da eleição baseada na renda, a extinção da nobreza de títulos, o fim dos governadores provinciais nomeados, dentre outras transformações.

Surge a segunda Constituição Brasileira (a primeira da República) em 1891, impondo a forma federativa de governo, ou seja, dá aos Estados inúmeros direitos. A Constituição instaura também o presidencialismo e o regime representativo democrático. A República nasce com uma estrutura baseada, então, no federalismo, no presidencialismo e na ampliação do regime representativo, embora, na prática, as dificuldades de um pleno funcionamento deixaram muito a desejar. Nem tudo poderia funcionar na prática, pois ainda a sociedade agrária era base e precisava sobreviver. E a inclusão de todos os grupos sociais no processo político abalaria a estrutura produtiva latifundiária, a sociedade agrária.

No mundo das ideias e das mentalidades houve alguma mudança, embora a República não produzisse correntes ideológicas próprias. Porém, as ideias puderam se difundir mais livremente. Houve, inclusive, uma nova atitude dos intelectuais perante a política, atitude esta que não foi fácil no que se refere à convivência pacífica entre a República da política e a República das letras, nos primeiros tempos. Os sentimentos e atitudes, entre as elites, também se tornaram mais livres, bem como ainda a quebra de valores antigos e tradicionais. Isto é transparente no que se refere ao aprofundamento do capitalismo que se processou na República, onde a ética era menos observada em relação à ganância e o lucro.

Temos ainda a prevenção republicana contra pobres e negros, exatamente estes que não aderiram à ideia republicana. Muitos ficaram desapontados com a República, pois pensavam que ela lhes propiciaria uma maior participação, e dentre os desapontados estavam os operários e os intelectuais. A própria população pobre, sem mais aquele Estado caritativo e paternalista, começou sozinha a se auto-administrar e a se auto-prover. Uma espécie de rede comunitária começou a se organizar na falta de incorporação das baixas camadas pela República. Isto, por si só, provocou uma quebra de valores, levando-lhes à uma busca de novos valores e capacidades criativas independentes, apesar de que ainda a cidadania lhes era praticamente negada, pois o acesso aos direitos civis, políticos e individuais era quase nulo, levando a crer que uma decepção e desânimo tomava conta nos primeiros tempos da República, o que em parte pode ser correto.

O avanço burguês era nítido por causa do capitalismo e liberalismo que avançava beneficiando uns e excluindo outros. A própria obrigação do Estado de promover os socorros públicos foi retirada da Constituição de 1891. Os diretos sociais foram até diminuídos em relação ao Império. O endurecimento do sistema republicano tolheu em muito a cidadania e estava levando a uma decepção e desencanto por parte de muitos grupos no início da República. A mudança de regime levou muitos a crerem na ampliação dos direitos dos cidadãos. Mas o contrário ocorria, e ainda os setores vitoriosos obstaculizavam a democratização. As classes médias e o proletariado urbano permaneceram sem forças diante das oligarquias rurais. Os trabalhadores rurais continuaram nas mesmas condições de vida do Império. O sistema de produção, o caráter colonial da economia e a dependência externa também não mudaram em relação ao Estado imperial. Entretanto, a população crescia, a indústria se desenvolvia, aumentava a urbanização, o proletariado e a classe média se espalhavam pela República, o que não ocorria no Império.

Enfim, o que se pode perceber é que o Império já se mostrava corroído e antiquado e não correspondente às novas realidades políticas, sociais e econômicas. A República, apesar de todos os seus problemas e interesses menos dignos, não deixava de ser uma evolução natural de um regime imperial obsoleto, num mundo de constantes transformações. Como assinala Nelson Werneck Sodré, “O Império não foi o paraíso como é apresentado a estudantes incautos. O Brasil, sob o Império, era, na verdade, uma grande fazenda escravista, mal administrada.”


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

-“A República: uma revisão histórica”, Nelson Werneck Sodré
-“Evolução Social do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
-“Formação Histórica do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
-“Os Bestializados: o RJ e a República que não foi”, José Murilo de Carvalho
-“Viva a República!”, Donatello Grieco
-“O Cotidiano da República”, Sandra Jatahy Pesavento
-“História Sincera da República”, vol2, Leoncio Basbaum
-“Brasil em Perspectiva”, Carlos Guilherme Mota (org.)
-“Da Monarquia à República: momentos decisivos”, Emilia Viotti da Costa
-“História Nova da República Velha”, Joaquim J. Felizardo
-“Brasil República”, Hamilton M. Monteiro


Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CAUSAS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Podemos dizer que o fim do governo de D. Pedro II foi marcado por uma série de contestações ao regime imperial. Contestações tendo por base a campanha abolicionista, a “questão religiosa”, a “questão militar”, a insatisfação da oligarquia cafeeira, a insatisfação das elites dos setores produtivos das províncias e as transformações sociais e econômicas a partir da Revolução Industrial. Tudo isto demonstrava os efeitos da realidade que estava sendo vivida na época, ou seja, efeitos advindos dos conflitos e mudanças  nas áreas econômicas, políticas e sociais que se difundiam a partir da Europa. Mas, o que realmente movia o Império rumo à República?

A oligarquia cafeeira do Oeste paulista, que integrou o movimento republicano, tornou-se a maior concentradora de poder econômico no Império. Ocupou terras férteis, utilizou o trabalho livre e técnicas mais avançadas no beneficiamento do café. Esse grupo de fazendeiros não dependia do trabalho escravo. Entretanto, não tinha muita influência no sistema político, embora tivesse poder econômico. No final do século XIX, essa elite já não concordava com a política centralizadora do Império. Então, a alternativa republicana já começava a ser vista como único caminho viável para chegar ao poder e acabar com a centralização do Império. Viam, então, para isso, a implantação de uma república federalista. Assim, no decorrer da segunda metade do século XIX, o movimento republicano obteve o apoio da elite cafeeira do Oeste paulista, que o tornou mais influente e poderoso. O Império, que já não tinha o apoio dos setores urbanos, não pode mais contar também com o apoio das elites cafeeiras.

A ideia do federalismo, na questão dos ideais republicanos, deveu-se também à insatisfação das elites de setores produtivos das províncias quanto a sua importância pouco expressiva diante dos interesses do Império no Rio de Janeiro. Insatisfeitos porque encontravam-se afastados das decisões tanto centrais quanto de seus próprios interesses provinciais, pois o Império vivia em torno do Rio de Janeiro. Mais uma fatia, então, começava a se associar aos princípios do republicanismo, por descontentamento.

Perdeu ainda, o Império, o apoio da Igreja (Questão Religiosa). A “questão religiosa” era originada nos atritos entre o alto clero e o governo imperial. Ou seja, o Papa ordenava punições aos religiosos maçons, entretanto, participavam da maçonaria diversos padres, importantes políticos e também elites econômicas. Seguindo orientação papal, os bispos começaram a punir os padres maçons. D. Pedro II, por outro lado, anulava as punições, e uma situação e relacionamento difícil se estabelecia entre a Igreja e o Império. A partir de então, muitos elementos do clero se uniram aos ideais republicanos, pois estes pregavam a separação entre a Igreja e o Estado.

Outro fator que fez o Império perder apoio, foi o descontentamento dos militares (Questão Militar).  A “questão militar” começou com a conscientização, pelos militares, de sua importância. Isso começou depois da Guerra do Paraguai. Antes, os militares eram considerados em segundo plano diante dos civis. A partir de então, os militares começaram a manifestar insatisfação pelo tratamento que recebiam do Império. Com a liderança de Benjamin Constant, que era partidário dos ideais republicanos e positivistas, um grupo de oficiais começava a tornar público as insatisfações militares e juntou-se às causas republicanas. Muitos incidentes ocorriam entre o Império e os militares, pois a estes era proibido qualquer pronunciamento público. Os incidentes acabaram envolvendo chefes militares importantes como o Visconde de Pelotas e o Marechal Deodoro da Fonseca. Tudo isso ia favorecendo a difusão do ideal republicano, agora também já no meio militar.

Estas duas Questões, não sendo exatamente fatores desencadeantes da Proclamação da República, foram demonstrativos ou efeitos do descompasso entre o Poder Civil e o Religioso, no caso da Questão Religiosa; e animosidades entre as Forças Armadas e o imperador, pelo tratamento do governo, o que facilitou a difusão das ideias republicanas e a influência do Positivismo, no caso da Questão Militar.

O Império também apoiava-se na escravidão e, portanto, tinha o apoio dos escravistas. Mas a pressão do abolicionismo foi mais forte e o Império cedeu. Com a Abolição, os tradicionalistas e os escravistas (senhores de engenho do Nordeste e cafeicultores do Vale do Paraíba), que eram fazendeiros, sentiram-se traídos pelo governo imperial e deixaram também de apoiá-lo. A crise da escravidão iniciou-se com o fim do tráfico e foi acelerada pelo crescimento da luta abolicionista, pela imigração e pela elevação dos custos do trabalho escravo. Praticamente todos os cargos importantes do Império estavam nas mãos da tradicional e decadente classe de grandes proprietários escravistas, que queriam preservar a escravidão e o sistema político centralizador do Império. A abolição, para eles, como já me referi acima, foi uma traição.

Transformações econômicas, políticas, culturais e sociais, já vinham ocorrendo no mundo por conta da Revolução Francesa e da Revolução Industrial.  Desta última somam-se ainda as novas condições econômicas onde a agricultura já não era a única fonte de produção, pois começavam a surgir indústrias, organizações de crédito e ferrovias para o melhor transporte da produção. A crise escravista, a mão de obra imigrante e as novas técnicas de produção econômicas reforçaram, portanto, nas novas configurações das mudanças que estavam prestes a ocorrer.

Grupos sociais novos surgem a partir do crescimento da população urbana mais pobre. Surgem os operários, a burguesia e os trabalhadores de indústrias. E isto traz um choque de tradições e culturas, novos métodos de produção no campo, novas tecnologias, conflitos entre o poder político e o poder econômico e ainda novas aspirações que permeavam as mentalidades.

No turbilhão de todos estes conflitos, contradições e jogo de interesses, enfraqueceram-se as oligarquias tradicionais e o próprio Império, favorecendo e fortalecendo o movimento republicano e a consequente Proclamação da República.

Então, podemos ainda perguntar: a República foi uma “revolução” ou uma “evolução natural do Império”? Sabe-se que os republicanos não eram a favor de uma revolução sangrenta. E Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant e outros eram declaradamente adeptos de uma evolução natural do Império à República, segundo as suas crenças positivistas, ou seja, uma lei na história chamada de “inevitabilidade evolutiva natural”.

Mas a Proclamação da República concretizou-se após fracassadas tentativas políticas e um clima de tensão. Os militares foram chamados, e o Marechal Deodoro da Fonseca, reunido com Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva, Francisco Glicério, Cel. Solon Ribeiro, dentre outros, aceitou a proposta de depor o Império e, em 15 de novembro de 1889, levou a cabo a Proclamação da República. As tropas do exército cercavam o Ministério da Guerra, pelo lado militar, enquanto pelo lado civil, Silva Jardim, José do Patrocínio e Lopes Trovão organizavam um ato público em frente à Câmara Municipal, pedindo o fim da monarquia e o início do novo regime republicano.

Enfim, podemos dizer que a República foi proclamada por um grupo que era, no fundo, contra a República. Porém, como um último recurso, viam na Proclamação da República, que pode ser chamada de “golpe”, a oportunidade dar continuidade a seus interesses políticos e econômicos. Este grupo, ou seja, a classe dominante do Império, economicamente falando, sentindo-se sem poderes políticos para que pudesse administrar em prol de seus próprios interesses, e mesmo com uma aberta contradição entre o poder político e o poder econômico, lançou as bases essenciais ao “golpe da República”. Mesmo a contra-gosto, entenderam que somente o ideal federalista e a República poderiam solucionar seus interesses.

Assim, a República foi proclamada, em essência, para favorecer aos grandes proprietários. Uma república que foi proclamada sem a participação do povo (escravos e classes pobres). Este povo, excluído da sociedade, apenas assistia “bestializado”, e à margem, a “parada militar” e o “palco teatral republicano” (conforme as palavras do historiador José Murilo de Carvalho). Por outro lado, também cabe incluir, que não deixou de ter uma inspiração na evolução natural política, conforme as tendências e cenário político, social, cultural e econômico mundial da época (Positivismo, Iluminismo, dentre outros).


Prof. Hermes Edgar Machado Junior (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

-“Brasil: síntese da evolução social”, Aluysio Sampaio
-“Da Monarquia à República: momentos decisivos”, Emilia Viotti da Costa
-“Formação Histórica do Brasil”, Nelson Weneck Sodré
-“Brasil em Perspectiva”, Carlos Guilherme Mota (org.)
-“Viva a República!”, Donatello Grieco
-“Os Bestializados: o RJ e a República que não foi”, José Murilo de Carvalho


Fonte da Imagem: Acervo de autoria pessoal