sexta-feira, 16 de setembro de 2016

TEMPOS LÍQUIDOS E AMOR LÍQUIDO COM ZYGMUNT BAUMAN

Uma reflexão acerca dos tempos e dos amores líquidos de nossa época

Um dos maiores críticos da sociedade contemporânea, o filósofo Zigmunt Bauman, discute em suas obras Tempos líquidos e Amor Líquido a fragilidade das relações humanas, que se tornam cada vez mais fracos e vulneráveis, em parte por causa de um mundo que se torna mais virtual do que real, afetando os conceitos de família e comunidade.

Em Amor Líquido, o filósofo analisa as relações amorosas dentro do que ele chama de “modernidade liquida”, ou seja, tempos em que nada dura, nada permanece, tudo muda muito frequentemente, como as relações que não duram, não permanecem como antigamente. Isso se dá a vários fatores, e, segundo o filósofo, um dos principais fatores para a mudança das relações entre os homens é a era da informação e da internet que trouxe uma espécie de interação superficial entre as pessoas, na qual o virtual passou a ser mais importante - por ser mais confortável do que a realidade - do que o real.

Bauman fala sobre a dificuldade atual de termos uma comunicação afetiva, num mundo onde tudo é feito às pressas, onde tudo volta-se para o consumismo, onde tudo é passageiro, a necessidade de solidificar relações está suspensa. Não há tempo para isso, relações são complicadas, e a atualidade mostra que podemos ser superficiais com elas, um passo a mais à perigosa zona de conforto que nos protege do real. As relações são difíceis e por isso mantemo-nos distante delas. E, por causa desta superficialidade, as reais relações, as sólidas, estão cada vez mais raras. Como acontece com um cristal que à primeira queda se quebra, assim são as nossas relações, fracas. Uma vez que passamos por alguma diversidade dentro da relação, ela simplesmente se quebra, se desfaz. Não há força para recuperação, é mais fácil assim.

Para Bauman, as pessoas acostumaram a resolver os problemas simplesmente cortando os vínculos. Não há mais nada com o que se preocupar quando simplesmente nos desconectamos de alguém. É assim que funciona com as relações nas redes sociais. Trouxemos essa função para a vida real. Conectar e desconectar tornou-se a nova forma de relação. Estamos conectados até o momento em que algo falha, daí o caminho mais fácil é desvincular totalmente. O filósofo chama de relações instáveis, realidade instável, amor e afeto instáveis. Não há responsabilidade em relação ao outro. Esta é a banalidade dos tempos e dos amores sem nenhuma solidez.

A obra Tempos Líquidos segue o mesmo raciocínio, mas agora o filósofo reflete conosco acerca da insegurança do ser humano, seja ela dentro das relações pessoais, seja ela na vida profissional ou dentro de nossa própria espiritualidade. Para Bauman, a insegurança de ser quem se é acusa um fenômeno contemporâneo e universal, que cresceu com o advento das grandes metrópoles e da globalização. Um mundo que consome todo o nosso tempo em busca do tentador sucesso faz com que olhemos para nós mesmos como quem corre para alcançar algo que não é instável. Para o autor, somos competidores numa arena global de indivíduos que se chocam violentamente, seja por causa de um objetivo em comum, seja por causa de conceitos diferentes. O filósofo fala sobre os conceitos globais e locais, e estamos perdidos no meio deles. Na obra, o autor afirma que o homem se perde na resposta adequada ao mundo. Nós poderíamos mudar muitas coisas se voltássemos nossas habilidades e preocupações para o lugar onde vivemos, fazendo, deste modo, assuntos de escalas globais serem resolvidos primeiramente numa escala local, abrindo caminhos e fortalecendo ideias e ações para inspirar uma mudança numa escala maior. Mas não temos força, porque pensamos apenas do lado de fora. E pensamos do lado de lá porque temos que correr, competir, ganhar. O indivíduo substituiu o grupo, a comunidade. Essa colisão faz com que a comunidade se evapore em meio à sociedade, e, de novo, temos o conceito de estado líquido das coisas.

Mas Bauman é um otimista, e inspira-se nos utopistas. Para ele, sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Cabe ao homem não adequar-se ou entregar-se ao mundo. Mas formar uma utopia em que se possa enxergar um futuro.




Rejane Borges






Fonte do Texto e da Gravura: OBVIOUS 
www.obviousmag.org

NADA É FEITO PARA DURAR

O chove não molha do amor líquido

A vida contemporânea é caracterizada pela extrema fluidez das relações humanas, de tal modo que não existe tempo para construir laços afetivos. Sendo assim, o amor tornou-se líquido e, por conseguinte, fugaz. Afinal, como diz Zygmunt Bauman: “Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar”.

Chegamos a um momento em que não sabemos o que somos. Sabemos que não somos modernos, pois a razão não é tão poderosa quanto outrora, mas também, ainda não sabemos em que estágio estamos. Assim, a contemporaneidade é chamada de pós-moderna, ou como prefere o sociólogo Polonês Zygmunt Bauman – Modernidade Líquida.

Nesse universo, tudo é fluído e muda com extrema rapidez, não há espaço para coisas sólidas, já que em tempos líquidos, tudo que é sólido desmancha no ar. Dessa maneira, o amor também assume uma nova face diante de todas essas mudanças, assumindo uma forma líquida.

Como dito, o mundo pós-moderno é marcado pela extrema fluidez e velocidade que as relações possuem, de tal modo que a facilidade em desconectar é o principal elemento das relações. Uma relação que nos prende e finca raízes e que, por conseguinte, não permite desconectar com tanta facilidade é um fardo que o homem contemporâneo parece não querer carregar.

Assim, como se estivessem numa grande feira, os indivíduos compram, trocam e vendem relacionamentos. Tudo isso graças à facilidade de desconectar. Acreditam que com as suas inúmeras experiências, tornam-se experts no amor. Entretanto, o que adquirem é apenas a

“Habilidade de terminar rapidamente e começar do início.”

Ou seja, os muitos relacionamentos não significam necessariamente mais amor. A rapidez com que se troca de parceiros e se descarta os relacionamentos não permite conhecer o outro a ponto se relacionar verdadeiramente. Em verdade essa fluidez chega a ser um contrassenso a ideia de relacionamento, uma vez que relacionar-se significa levar consigo, e portar alguém está fora do cardápio pós-moderno.

“É tentador afirmar que o efeito dessa aparente aquisição de habilidades tende a ser, como no caso de Don Giovanni, o desaparecimento do amor – uma exercitada incapacidade para amar.”

Estamos presos ao nosso próprio eu, o que se tornou ainda mais viável com o desenvolvimento dos aparelhos tecnológicos e a internet. Não queremos nos dar o trabalho de investir numa relação, tudo é uma questão de custo-benefício. Os relacionamentos transformaram-se em meras mercadorias, de forma que o que se busca é sempre lucrar com o produto final.

Não há tempo para a semeadura, a qual além de levar tempo é desgastante. Queremos tão somente usufruir do produto acabado, e quando este já não nos serve, trocamos por outro, afinal, essa é a lógica do mercado, e o amor nesse contexto, também se encontra na vitrine.

“E assim é numa cultura consumista como a nossa que favorece o produto pronto para o uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução de dinheiro.”

Os relacionamentos, assim, são vistos como investimentos comerciais. Não há tempo a perder, é preciso estar atento ao mercado, pois, quando este acenar com possibilidades melhores, tenho que estar pronto para me desfazer dos relacionamentos que possuo e usufruir de outros melhores.

“Para o parceiro, você é a ação a ser vendida ou o prejuízo a ser eliminado – e ninguém consulta as ações antes de devolvê-las ao mercado, nem os prejuízos antes de cortá-los.”

O amor líquido é a transformação dos homens em mercadorias, é a solidão de uma sociedade individualista que busca relacionar-se, mas sem se envolver, como se as pessoas fossem descartáveis. A insegurança impede que raízes sejam fincadas, que o produto acabado transforme-se em produto construído, que alguém esteja dentro de mim. No máximo o que são permitidos são os “relacionamentos de bolso”, os quais você guarda no bolso de modo a poder lançar mãos deles quando for preciso.

Amar significa perder tempo, ter dor de cabeça, estar pronto a arriscar, pois nada é um produto acabado, mas antes uma construção perene. É impossível saber se está certo ou errado, pois ainda não se chegou ao fim do caminho. E amar é investir na semeadura, mesmo antes de saber se os frutos nascerão. É preciso esforçar-se numa relação, estar pronto em alguns momentos a abdicar do seu eu, colocar-se no lugar do outro, o que em:

“Uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a capacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista.”

Vivemos numa sociedade hedonista, em que tudo que retarda a satisfação é visto de forma inadequada, e o amor, o qual precisa de tempo, encontra-se nessa inadequação. Dessa forma, os relacionamentos de bolso escondem a insegurança e o medo das pessoas se envolverem, assim como a incapacidade de saírem da zona de conforto e perder tempo com algo. Queremos um amor que nos satisfaça e que por algum momento nos afaste a solidão, mas não queremos ter o trabalho de nem por um momento ter um peso que nos impeça de flutuar, afinal,

“Vivemos em tempos líquidos. Nada é para durar.”

O amor é feito pelos amantes a todo o momento, é um ato criativo que apenas no envolvimento dos amantes é capaz de se manifestar. É apenas para os corajosos, que não têm medo de se arriscar e que sabem que há mágicas que apenas o inesperado possui. Assim,

“Não é ansiado por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas o estímulo a participar da gênese dessas coisas. O amor é afim à transcendência; não é senão outro nome para o impulso criativo e como tal carregado de riscos, pois o fim de uma criação nunca é certo.”




Erick Morais





Fonte do Texto e da Gravura: OBVIOUS 
www.obviousmag.org