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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A EPOPEIA DE GILGAMESH - A PRIMEIRA VERSÃO DO GÊNESIS?


As milhares de placas encontradas nas escavações em Nínive, em 1849, foram levadas para o Museu Britânico, em Londres e ficaram sob a responsabilidade de Henry Rawlinson. Havia pouco tempo que ele decifrara o cuneiforme. Coube a George Smith, auxiliar de Rawlinson no museu e perito na decifração do cuneiforme, fazer a segunda grande descoberta: em 1872, diante de uma plateia de especialistas, ele leu a 11ª. tabuinha que narrava sobre um dilúvio devastador do qual somente um homem sobreviveu. A revelação causou impacto entre especialistas, teólogos e o público leigo. Mais surpresas vieram com a decifração de outras tabuinhas: Araru, a deusa criadora do homem, o mito Enuma elish, o poema da criação, e o mito de Adapa, o homem que recusou a imortalidade – personagem que, para alguns estudiosos, seria o Adão bíblico.

O impacto dessas descobertas desafiavam a erudição literária e bíblica e lançavam para tempos mais longínquos a história da humanidade. A Epopeia de Gilgamesh já circulava por volta de 2.100 a.C., mas era muito anterior a essa data. Diante dessa datação, todas as literaturas ditas, então, como as primeiras da história, mostravam-se bem mais recentes. As narrativas do Pentateuco ou Torá, a parte mais antiga do Velho Testamento, são do I Milênio, e a versão hebraica da Bíblia teria sido redigida entre os séculos VIII e V a.C., principalmente no tempo do rei Josias (640-609 a.C.). Por sua vez, os poemas épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero, remontam aos séculos IX e VIII a.C. Muito já se pesquisou e escreveu sobre a influência da Epopeia de Gilgamesh sobre a escrita do Gênesis chegando a se questionar a veracidade dos textos bíblicos.

Por outro lado, a epopeia que chegou a nós também não é original, mas um compilado de lendas e poemas onde se misturaram  tradições culturais de sumérios, acádios, assírios e babilônicos. Foram encontradas cópias do poema em regiões diversas da antiga Mesopotâmia, da Palestina e da Turquia, e nem todas as versões coincidem. Enfim, tanto a epopeia de Gilgamesh quanto o livro do Gênesis poderiam ter sido influenciados por histórias ainda mais antigas e difundidas no Oriente.

Como lembra Fernand Braudel: “O passado das civilizações nada mais é que a história dos empréstimos que elas fizeram uma às outras ao longo dos séculos…”


Profa. Joelza Ester Domingues



Fonte: Blog "Ensinar"
https://ensinarhistoriajoelza.com.br/gilgamesh-a-historia-mais-antiga-do-mundo/
Fonte da Gravura: https://apaixonadosporhistoria.com.br/img/galeria/galeria_677345565.jpg

ALGUNS TEMAS E REFLEXÕES SOBRE A EPOPEIA DE GILGAMESH


Considerada a primeira obra literária da História, a Epopeia de Gilgamesh mostra que as questões fundamentais da existência humana – felicidade, amor, sexo, amizade, poder, o sentido da vida, a certeza da morte e as incertezas do destino – acompanham o homem há milhares de anos.

Gilgamesh é o modelo de herói, com virtudes e defeitos humanos, que se arrisca ao novo, desconhecido e extraordinário e, com isso provoca profundas mudanças. A jornada do herói é a da transformação interior.

No início do poema, a exaltação a Gilgamesh diz respeito à pessoa que ele se tornou ao final de sua jornada – “o sábio que viu os mistérios e conheceu coisas secretas”. A arrogância, truculência e luxúria de Gilgamesh são contestadas pelo seu povo. O governante pode tudo? Não, e os habitante de Uruk reclamam aos deuses. Entendem que o líder deveria trabalhar pela harmonia da sociedade (“ser um pastor para seu povo”) e não provocar a discórdia. Clamam por justiça e fim da opressão. Um interessante ponto de partida para refletir sobre a diferença de autocracia e tirania.

Enkidu surge para desafiar Gilgamesh. A criação de Enkidu traz elementos intrigantes. Ele é criado pela deusa Aruru a partir do barro – diferente da tradição hebraico-judaica que se refere a um deus criador masculino. Enkidu, como Adão, vive entre os animais e em harmonia com eles. Quem vai mudar esse cenário é uma mulher, a cortesã sagrada Shamhat. O papel de Shamhat é crucial: ela usa sua beleza e sedução para atrair o selvagem Enkidu e, através de relações sexuais contínuas, ensinar-lhe os fundamentos da vida civilizada, a comer alimentos elaborados, beber vinho, vestir-se e se expressar através da música e do canto. Shamhat cujo nome significa “a alegre”, é quem introduz Enkidu à vida em sociedade. As habilidades sexuais de Shamhat estabelecem a diferença entre o sexo para procriação – impulso próprio dos animais – e a sensualidade artística e sofisticada própria da civilização. Os mesopotâmicos entendiam a prostituição como uma das características básicas da vida urbana e civilizada. Daí entender o papel de Shamhat: apresentar para Enkidu o mundo sedutor mas complexo da cultura humana. Quando Enkidu está morrendo, ele expressa sua raiva contra Shamhat por tê-lo tornado civilizado, culpando-a por trazê-lo para o novo mundo de experiências que o levou à morte. Ele a amaldiçoa. O deus Shamash, o Sol, intervém e lembra a Enkidu que Shamhat o alimentou e o vestiu. Enkidu cede e abençoa-a dizendo que todos os homens a desejarão e lhe oferecerão joias de presente. Depois de deitar-se com Shamhat seis dias e sete noites, Enkidu tentou voltar à sua vida selvagem, mas os animais fugiram dele. Assim como Adão ao provar o fruto do conhecimento oferecido por Eva foi expulso do paraíso, Enkidu não é mais o mesmo depois do aprendizado dado pela mulher. Rompeu-se a conexão do homem selvagem com o mundo natural. Os animais o rejeitaram e ele, então, deve ir para o lugar onde esse conhecimento pode ser usado, a cidade.

O encontro de Enkidu e Gilgamesh é outro momento chave da epopeia. Enkidu é o reflexo do rei: são iguais mas não idênticos. Têm a mesma força física e arrogância, mas diferentes experiências humanas. Enkidu não tem família, afinado com o mundo natural e selvagem. Gilgamesh tem pai e mãe (o poema faz constante menção a Ninsun, mãe do rei e a intérprete de seus sonhos), vive e governa uma grande cidade. Ambos heróis representam a polaridade entre natureza e cultura. Enkidu será o agente das mudanças de Gilgamesh. Inclusive na morte, Enkidu é um ponto de virada na jornada no rei. Enkidu, o selvagem, trará a Gilgamseh a oportunidade de se perceber humano, como todos os outros, e deixar de lado sua arrogância e sua recusa em aceitar o destino humano. A relação fraternal entre eles nasce de suas diferenças sobre as quais se equilibram, complementando-se e compensando que falta ao outro. Talvez esse seja o sentido mais profundo da luta inconclusa entre eles, sem vencedor e  vencido. Eles foram criados para equilibrar um ao outro, compensando o que falta no outro. A amizade de Gilgamesh e Enkidu se constrói na disputa, na escuta, na perda, no ganho, na cooperação, no ciúmes, na vaidade, na lealdade, na coragem, na agressividade e na amorosidade.

A psicologia analítica ou junguiana (iniciada por Carl Gustav Jung) vê Enkidu o irmão-sombra de Gilgamesh, sua “criança interior”, frágil e vulnerável (ou mesmo desprezada e humilhada). Para silenciá-la, o indivíduo desafia-se continuamente a provar sua grandeza, poder e força. Por trás desse comportamento está a sociedade patriarcal, com suas imposições de sucesso e desempenho, seu desprezo pelos semelhantes, pela mulher, pelos animais e pelo meio ambiente. Daí a arrogância, a intolerância, a vaidade desmedida e a intransigência. Há quem veja a relação fraternal entre Enkidu e Gilgamesh similar a de Aquiles e Pátroclo, na Ilíada de Homero, sugerindo um relacionamento romântico, homoafetivo. Não há na epopeia nada evidente que possa sustentar essa hipótese e, talvez, essas análises estejam dizendo mais de nossos parâmetros morais contemporâneos do que sobre os valores e mentalidade da História Antiga do Oriente Próximo.

Após aventuras e perigos, a epopeia aproxima-se de seu grande tema final: a busca da imortalidade. Cabe a uma mulher fornecer a chave do segredo a Gilgamesh: ela fala sobre a planta capaz de dar a eterna juventude a quem a comesse. De posse da planta, Gilgamesh tomado de compaixão (já não é mais o rei arrogante) decide levá-la a Uruk e dividi-la com os anciãos da cidade. Porém, uma serpente come a planta roubando a imortalidade do homem. Impossível não fazer uma analogia com a serpente do Gênesis que tirou a vida eterna de Adão e Eva e levou-os à expulsão do Éden. Chegando a Uruk, Gilgamesh comenta com o barqueiro que o acompanha sobre a beleza e imponência da cidade, feita de tijolos cozidos, com suas muralhas, templos e jardins. Os versos anunciam: “Tudo isso era obra de Gilgamesh, o rei que conheceu os países do mundo. Ele era o sábio, viu os mistérios e conheceu  as coisas secretas. Transmitiu-nos uma história dos dias antes do dilúvio. Fez uma longa jornada, conheceu o cansaço, esgotou-se em trabalhos e, ao regressar, gravou numa pedra toda a história.”

Essa era a imortalidade tão desejada por Gilgamesh: suas obras, a sabedoria alcançada e sua história transmitida às gerações futuras  – enfim, tudo o que realmente fica para a eternidade.


Profa. Joelza Ester Domingues



Fonte: Blog "Ensinar História"
https://ensinarhistoriajoelza.com.br/gilgamesh-a-historia-mais-antiga-do-mundo/



O SURGIMENTO DO HERÓI PESSOAL
Em síntese: Acredita-se que a mais antiga obra da grande literatura que sobreviveu até os dias de hoje é a Epopeia de Gilgamesh. Evoluiu a partir de uma série de poemas sumérios escritos há uns quatro mil anos, e é a história de um rei semidivino mas impiedoso que fica traumatizado pela morte de seu amigo guerreiro e se lança numa busca para descobrir a chave da vida eterna. Matando monstros, encontrando-se com deidades e consultando aos sábios do caminho, Gilgamesh finalmente experimenta uma redenção pessoal que o reconcilia com sua própria mortalidade e volta a seu povo como um rei mais sábio e mais benéfico.

Fonte: Escola Arcana



Fonte da Gravura: https://apaixonadosporhistoria.com.br/img/foto/galeria_1_1126168892.jpg

segunda-feira, 1 de junho de 2015

LEMBRANÇAS (LENDAS MAL CONTADAS A RESPEITO DE HERÓIS DE BARRO)

O Rio Grande do Sul vive momentos inusitados ao mudar nomes de lugares que homenageavam presidentes que dirigiram o país em tempos de ditadura. Dizem ser politicamente correto, mas temos dois prismas antagônicos a ser observados aqui: uns odeiam a ditadura, outros nem tanto.

Pois bem, neste mesmo passo, já vi publicidade sobre escola que mudou de nome também, adotando um novo ícone como margem para idolatria de alguns: Che Guevara. Guevara era um médico argentino que subiu as cordilheiras e se aninhou na revolução cubana. Matou muita gente, inclusive uma boa quantidade de inocentes.

Era ele quem dizia que precisamos endurecer sem perder a ternura. Mas tudo serão lendas mal contadas a respeito de heróis de barro, que jamais se sustentariam depois de uma análise clara, objetiva e despolitizada.

Não duvido que, em breve, tenhamos algumas agências bancárias homenageando figuras de duvidosa moralidade. Sob este aspecto, graças devemos dar ao fato de Fidel ainda estar vivo. Quem sabe o tipo de homenagem que lhe serão prestadas depois de sua morte e a morte do regime político infame que instalou na ilha.

Eu tenho idade suficiente para ter vivido a ditadura na sua mais alta plenitude. Sobrevivi sem um tapa. Cresci ouvindo Chico Buarque cantando a música que jogava bosta na Geni. Vivi minha juventude com Caetano vendo discos voadores em Londres. Nem por isto morri. E, depois disso, nunca mais fizeram algo de novo.

A ditadura matou gente e Celso Daniel também morreu de forma estranha. Não tivemos heróis daquele passado, assim como não teremos heróis do regime que aí está. Entretanto, o que serve para nosso país a imagem e a idolatria a Che Guevara?

Hoje, sem idade para viver uma outra ditadura plena, temo pelo futuro dos meus. A memória da nação parece escoar distraída entre promessas que não se sustentam, e um ódio visceral ao passado que não apagará fichas criminais. Tivemos gente má na ditadura? Por certo que sim. Temos gente má nas atuais democracias sul-americanas? Com certeza, e já está ficando difícil contar. Evoluímos, como povo, como nação? Pelo meu passado, não!

Temos uma modernidade embalada em chips eletrônicos, dinheiro de plástico e nenhum respeito pelo passado, pela nossa formação e pela vida. Somos manobráveis como ovelhas num matadouro. Evoluímos para ser absoluta e simplesmente descartáveis.

Talvez chegue o dia em que nossas cidades mudem de nome, homenageando figuras ilustres da atualidade. São Paulo pode virar Lulópolis, quase na divisa com o município de Chavez, logo ao lado da promissora Vila Maduro. Guevara pode ser a estrada que ligará tudo isto.

Não sei onde vamos chegar com este modernismo vigiado pela internet. Apenas integramos uma monumental rede social. Estamos nos tornando nada.

O pior dessa aventura é que aqueles que esquecem do passado quase sempre não tem futuro. Não aprendemos com os erros. Apenas os substituímos  por erros modernizados que refletem uma mesma situação histórica que a humanidade já viveu em priscas eras. Essa idolatria nos idiotiza numa velocidade assustadora.

Sinto, entretanto, que este modelo de socialismo compartilhado em mentiras não terá um futuro longo. Os romanos perderam seu império, mas este durou mais de mil anos.

E os erros de todos os impérios caídos estão na história, assim como a estátua de Stalin.




Carlos Menezes





Fonte: Jornal "Litoral Notícias", edição 668, p. 2, 20/02/2015, Tramandaí/RS
www.lnjornal.com.br
Fonte da Gravura: Acervo de gravuras do Google