quinta-feira, 16 de setembro de 2010

RIO GRANDE DO SUL: FRONTEIRA ENTRE DUAS FORMAÇÕES HISTÓRICAS

Diferentemente do Norte e do Oeste brasileiro, que na formação histórica do Brasil eram quase nulos em termos econômicos e sociais, o Rio Grande do Sul, como uma fronteira entre duas formações históricas, teve um papel social e político considerável no que se refere à guerra, ao militarismo e à ditadura.

Quais foram, assim, as relações entre a sociedade do Rio Grande do Sul com a guerra, com o militarismo e com a ditadura?

É conhecido o fato de que a Província, o Rio Grande do Sul, caracterizou-se diferente do resto do Brasil no que se refere à sua formação histórica, pois era a verdadeira fronteira do Império do Brasil com as Repúblicas Hispanoamericanas e que rivalizavam política, militar e economicamente com o Brasil. Verdadeira fronteira porque já havia atividade política, social e econômica, ao contrário do Norte e do Oeste brasileiro que estava ainda em vias de ser “desbravado”.

Juntamente com tal rivalização ocorria ainda a rebelação dos pecuaristas contra o Império brasileiro (Revolução Farroupilha) e o conflito entre classes dominantes regionais (pecuaristas e charqueadores), pois o centro subordinava as periferias em todas as instâncias (política, econômica, militar etc.). Um verdadeiro conflito de interesses dentro da Província (entre elites) e desta com o Império.

O militarismo do Império pesava na Província. Eram muitos recrutamentos, danos de guerra e ainda o constrangedor fato de que quase somente portugueses poderiam ser oficiais. Isto causava um certo desconforto na Província sulista. Um verdadeiro descaso do Império se verificava, e a Província parecia ser vista apenas como uma fonte de renda (impostos) e como um centro militar para a defesa do Império em relação ao Prata e suas ameaças.

Então, a partir da fronteira em guerra, do peso e dos danos militares, da produção pecuária, dos mercados dos seus produtos, dos impostos, da concorrência e da posição que os latifundiários pecuaristas ocupavam em relação a outros grandes proprietários do Império, estabelecia-se uma relação que oscilava na complementaridade, na dependência e na oposição em relação ao Império.

Outro aspecto relevante foi o projeto de criação de áreas de pequenas propriedades no Rio Grande do Sul que acabou transformando a sociedade gaúcha e favorecendo uma diversificação social. Era uma nova experiência produtiva e administrativa que marcava o Sul.

Não pode ser esquecido também que o Rio Grande do Sul, com o Partido Republicano Riograndense (PRR), estabeleceu laços estreitos com o exército nacional, sendo que este partido tornou-se o primeiro partido político moderno do Brasil e realizou, em nível regional, uma longa experiência ditatorial. O PRR foi considerado o primeiro partido moderno do Brasil pois abrigava ideais republicanos e positivistas com suas metas visando o social, a segurança do Estado e do indivíduo.

Vemos, portanto, que a formação histórica sulista possui uma relação fundamental com a guerra, com a ditadura e com o militarismo porque as estruturas fundiárias, sociais e políticas resultaram de uma fronteira em constante estado de alerta ou de guerra; de classes rurais proprietárias, mas geralmente divididas; de experiência com pequenas áreas de propriedade; de diversificações sociais em relação à sociedade brasileira; de um partido político moderno; e do exercício da ditadura.

Através destas tensões e opressões, destes conflitos entre as elites locais e a opressora Corte, o Rio Grande do Sul se fazia palco de experiências sociais e políticas, sendo “sui generis” em relação ao restante do Brasil.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)




Referências bibliográficas e aprofundamento:

-TARGA, Luiz Roberto P. O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas. In: TARGA, Luiz Roberto P. (org.). Gaúchos & Paulistas – Dez Escritos de História Regional Comparada. Porto Alegre: FEE, 1997.

-PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Farroupilha. 3ª ed., São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

terça-feira, 14 de setembro de 2010

GUERRA DOS FARROUPILHAS: A ECONOMIA REGIONAL GAÚCHA E O LIBERALISMO ECONÔMICO

O Rio Grande do Sul surgia e se desenvolvia no instante em que o mundo rompia as grandes barreiras de ordem feudal e iniciava a Idade Contemporânea. Havia, por toda a parte, um florescimento de ideias contrárias às que predominavam nos tempos medievais. Surgiam novas doutrinas e ideias que, em cada lugar onde alcançavam, tomavam formas e matizes diferentes, de acordo com exigências, interesses e relacionamentos locais, nacionais e internacionais. Daí que se pode perguntar, considerando-se o Rio Grande do Sul, no tempo da “Guerra dos Farroupilhas”, qual a relação que motivava essas exigências, relacionamentos e interesses locais.

Ganhava terreno a doutrina liberal iluminista, onde as leis e as Constituições deveriam ser respeitadas por todos, inclusive pelas classes dirigentes, para que a liberdade, a igualdade e a fraternidade fossem garantidas. Dentro desta ideia também surgia o ideal de federação, ou seja, a descentralização do poder que garantiria a autonomia das províncias, de eleições dos seus governantes e de que impostos recolhidos ficassem no local do recolhimento. Contudo, no Brasil, mesmo que a Independência tenha recebido impulsos do liberalismo, continuou o Estado sendo centralizador e totalitário.

O Rio Grande do Sul, por sua vez, promovia por alguns setores, como a imprensa, dentre outros, o liberalismo republicano e federalista. Há autores que afirmam ter havido influência de ideias republicanas oriundas dos países vizinhos do Prata. Alguns chefes liberais gaúchos, como Bento Gonçalves, por isso, foram acusados de separatistas.

Por um lado, as guerras e o sistema militar do Império desagradavam pelo seu imposto despotismo e oneroso peso sobre a Província. Por outro lado, o principal produto da Província, o charque, tornava-se difícil de concorrer com o produzido no Prata, por dois motivos: pesados impostos que o Império taxava e o sistema produtivo escravista que tornava menos eficaz a produção.

Ainda no Sul, o clero, a maçonaria e as sociedades literárias apoiavam as ideias liberais, republicanas e federativas. O federalismo era necessário e vantajoso para as classes dominantes, pois significava a liberdade econômica em relação ao Império.

Tudo isto ia, aos poucos, somando-se e impregnando a Província de ideias federativas como forma de escapar do estrangulamento político, da condição de periferia e do bloqueio econômico exercido pelas elites do centro do Império.

Observa-se, assim, que a “Guerra” ou “Revolta” dos Farroupilhas foi uma luta pelos princípios liberais e contra o centralismo e o autoritarismo do governo central, ou seja, uma luta entre um grupo oligárquico “gaúcho” contra a administração imperial. Contradições entre o centro e a periferia fizeram, então, eclodir a “Guerra” dos Farroupilhas. Na verdade, um confronto entre as elites do Sul contra as elites do centro imperial. Estas, beneficiárias da Independência, buscavam supremacia e domínio sobre aquelas.

Deste modo, podemos dizer que exigências de mercados, de ascensão da burguesia ou elite local, de poder econômico e de liberdade comercial, inspirados e adaptados do capitalismo e liberalismo econômico, que se alastrava pelo mundo, levou as elites locais a atividades de descontentamento em relação ao Império.

Fica claro, portanto, que há uma relação onde praticamente todas as exigências se inter relacionam, e esta relação está no jogo das questões nacionais e internacionais da época, ou seja, do liberalismo econômico e político que estava fazendo ruir estruturas antigas, tais como o monopólio, o absolutismo e o autoritarismo centralizador. E o “Movimento” Farroupilha, por sua vez, fazia parte dessas exigências locais inseridas nesse jogo das questões e exigências nacionais e internacionais da época.

O constitucionalismo estava tomando força. Entretanto, na formação do Estado Nacional brasileiro, a centralização e o autoritarismo, contrários à doutrina liberal, ainda persistiam, desrespeitando o regional.

Assim, a Província “gaúcha”, tocada pelo liberalismo, agitava-se semelhante à Europa, à América e ao Brasil. Cada uma à sua maneira, ótica e interesses específicos e particulares.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal



Referências bibliográficas:

LOPES, Luiz Roberto. Revolução Farroupilha: a revisão dos mitos gaúchos. Porto Alegre: Movimento, 1992.

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1993.

______________ . A Revolução Farroupilha. 2ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 1994. (Síntese Rio-Grandense-2).

______________ . Modelo Político dos Farrapos. 3ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. (Série Documenta-1).

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. (Série Revisão-1)

_______________________ . A Revolução Farroupilha. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Tudo é História-101).

LAZZAROTTO, Danilo. História do Rio Grande do Sul. 6ª ed. Ijuí: UNIJUI, 1998.

FAGUNDES, Antônio Augusto. Cartilha da História do Rio Grande do Sul. 2ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1994.

BARBOSA, Fidélis Dalcin. História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: EST, 1995.

SANTOS, Joél Abilio Pinto dos. O Neoliberalismo, o Federalismo e a Atualidade da Insurgência Federalista dos Farrapos. In: QUEVEDO, Júlio (org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.

ZAGO, Simone Maria. A República Rio-Grandense e o Projeto Constitucional Farroupilha de 1843. In: QUEVEDO, Júlio (org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.

FORTES, Amyr Borges. Compêndio de História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1960.

TARGA, Luiz Roberto Pecoits. O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas. In: TARGA, Luiz Roberto Pecoits (org.). Gaúchos & Paulistas – dez escritos de história regional comparada. Porto Alegre: FEE, 1997.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O MITO DO GAÚCHO

O mundo tem demonstrado, através dos tempos, uma necessidade de criação de mitos relacionados a temas religiosos, a processos de resgatar “imagens perdidas” e aspirações diversas. A sociedade, praticamente sem se interrogar e questionar sobre a significação dos seus mitos, absorve signos, símbolos e estereótipos.

Levando-se em conta que um mito pode representar uma compensação, servir como substituto de uma realidade não aceita, ou ainda forjar um interesse, seria possível, no caso do estereótipo do gaúcho, enquadrá-lo como um mito?

Há casos de mitos que existem sem que possamos precisar sua origem, pois sua formação não é intencional. Neste caso, nunca houve a intenção inicial de se criar um mito, sendo a sociedade, o tempo e o inconsciente coletivo os responsáveis pelo processo natural e gradativo da criação. Entretanto, há casos de mitos programados antecipadamente, ou seja, a mitificação artificial de coisas e pessoas com fins de conquistar a sociedade para interesses econômicos, políticos e sociais.

No caso do gaúcho, com o passar do tempo, muitas modificações no modo de viver foram observadas. Todas decorrentes das mudanças ocorridas no setor econômico, tais como o crescimento agrícola e industrial e a diminuição da atividade pastoril, esta a mais característica do gaúcho. Assim, o substrato que sustentava o gaúcho “tradicional”, e que o promovia, ruiu. O romantizado e bravo gaúcho teve de enfrentar outra realidade social e econômica.

A partir de então, como um mecanismo de defesa, representantes de ideologias rurais e de identidades culturais feridas passaram a ver e propagar o gaúcho com características míticas e heróicas dos “bons tempos” passados como discurso para sua sobrevivência.

Em suma, se considerarmos como verdadeiro que haja um mecanismo de defesa dos representantes de interesses ideológicos e saudosistas, e como também verdadeiro que haja uma defesa dos “bons tempos” como substituto de uma realidade atual não aceita, pode-se dizer que o estereótipo do gaúcho é enquadrável como um mito. Um caso típico de mito forjado e programado artificialmente com o intuito de conquistar uma sociedade, que absorve símbolos sem questionamentos, para tentar justificar determinados interesses econômicos, políticos e sociais em processo de extinção.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

- “Nós, os Gaúchos”, Sergius Gonzaga e Luis A. Fischer (coord.), Ed. da Universidade

- “O Gaúcho”, Carlos Reverbel, Ed. LPM

- “RS: Cultura & Ideologia”, José H. Dacanal e Sergius Gonzaga (coord.), Ed. Mercado Aberto

- “Modelo Político dos Farrapos”, Moacir Flores, Ed. Mercado Aberto

- “Origem e Evolução da Ideologia”, Otto Alcides Ohlweiler, Ed. da Universidade

- “Sociologia Geral”, Eva Maria Lakatos, Ed. Atlas

- “O Gaúcho a Pé”, (um processo de desmitificação), Elizabeth R. Lara, Ed. Movimento e FISC

- “História do Rio Grande do Sul”, Danilo Lazzarotto, Ed. UNIJUI

- “Rio Grande do Sul: 4 Séculos de História”, Júlio Quevedo (org.), Martins Livreiro Editor

- “O Homem e seus Símbolos”, Carl G. Jung, Ed. Nova Fronteira

- “Convite à Filosofia”, Marilena Chaui, Ed. Ática



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal