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segunda-feira, 30 de maio de 2022

NOVA IDADE MÉDIA? O RETROCESSO CULTURAL NO CIBERESPAÇO


Tenho uma tese que ainda vou desenvolver melhor num livro ou em alguns artigos mais profundos: é a de que corremos o risco de mergulhar numa nova Idade Média, claro, diferente da que foi. Mas há sinais fortes e semelhantes à chamada Alta Idade Média que vai do século V até mais ou menos o ano mil, período da desagregação do Império Romano e do retrocesso da cultura, da civilização… Depois, a Baixa Idade Média não pode mais ser considerada como um período de trevas, pois houve o nascimento das Universidades, a retomada gradativa das cidades e do comércio, as catedrais góticas, as línguas europeias, nascentes em poesia… e assim por diante.

O que indica esse risco de novo mergulho medieval? A onda fundamentalista das religiões, deflagrando irracionalidade e fanatismo; a desagregação da linguagem, da música, da arte em geral; o desaparecimento da infância (veja-se o livro de Philippe Ariès, História Social da Criança e da Família, demonstrando que na Idade Média, as crianças eram adultas em miniatura e não eram vistas e tratadas como crianças, que é o que está acontecendo hoje, quando a mídia e a propaganda fazem da criança um pequeno, sensualizado e obeso consumidor!). Outro sinal de retrocesso é o brotar do misticismo fácil, das seitas irracionais e de uma espiritualidade light, indicando falta de consistência e conhecimento filosófico, podendo nos levar a superstições já cientificamente superadas.

As circunstâncias são outras, as características são outras, mas estamos caminhando a passos largos para o eclipse da cultura, da razão, das conquistas civilizatórias dos últimos séculos. É verdade que um pouco disso pode ser decorrência de um processo de resistência e desagrado com a civilização predatória, instalada pelo capitalismo. Mas o que se observa em grande escala (e não é só no Brasil, mas no mundo todo) é um recrudescimento da ignorância, um analfabetismo filosófico, literário, político, espiritual. A mediocridade está tomando conta.

Um dos sinais evidentes que observo diariamente na internet é a circulação crescente de frases soltas, de powerpoints coloridos, ralos e de autoajuda brega, de citações – que revelam uma pseudocultura: superficial, falsa e emprestada. Fico impressionada de ver quanta gente produz e reproduz fartamente frases que são atribuídas a Gandhi, Platão, Pitágoras, Confúcio, Buda, Dalai Lama, Clarice Lispector, Carlos Drummond, Saramago… e assim vai. Ou seja, líderes espirituais antigos e contemporâneos, filósofos, literatos – todos originais, inteligentes e que deram suas contribuições importantes à história, são colocados no mesmo saco de superficialidade e besteirol. Quase nenhuma das frases que lhes são atribuídas na internet é deles mesmos!! Mas ninguém consulta um livro, ninguém lê uma obra de fato sobre a vida ou sobre o pensamento de nenhum deles. Todo mundo repete frases prontas, pobres, vazias, como papagaios, sem nenhum compromisso com os autores, sem nenhum espírito crítico, sem nenhum cuidado de veracidade! Ou seja, estamos criando uma pseudocultura virtual, que consiste em repetir pensamentos ralos, que não formulamos e que atribuímos a pessoas inteligentes, que nunca disseram tais coisas. Nem pensamos e nem recorremos a quem de fato pensou, para aprendermos a pensar. Vamos papagaiando frivolidades. Isso vale para o Facebook, para os e-mails, para os blogs, para as apresentações que circulam por aí!

É tudo rápido, descartável, superficial, vazio…

Outro aspecto que revela a decadência da cultura é o aviltamento da linguagem, a degeneração dos idiomas (mais uma vez, o fenômeno não é só no Brasil). Neste texto mesmo haverá muitas palavras que algumas pessoas nunca viram, porque seu vocabulário é cada vez mais reduzido. Isso vale principalmente para os mais jovens. A língua é um instrumento delicado, harmonioso, embora vivo e dinâmico, que se estrutura a partir da expressão de um povo. Mas antes, essa expressão era tomada por cima. Ou seja, a linguagem culta, literária era o padrão a servir de medida. Hoje, dá-se o contrário. Ninguém mais conhece o padrão culto. As palavras são truncadas nas mensagens, nos e-mails, nos textos; a correção gramatical ausentou-se completamente – mesmo professores de português escrevem errado, não sabem onde colocar uma crase, cometem deselegâncias na concordância! O vocabulário está cada vez mais restrito, pobre, desgastado. O que isso significa? Quanto menos palavras temos para nos expressar e quanto menos regras conhecemos e seguimos para estruturar a linguagem, mais nosso pensamento se torna pobre, por falta de capacidade de expressão; mais se torna feio, desajeitado, por falta de correção na escrita. Ou seja, estaremos caminhando para os grunhidos da caverna?

Conhecer as fontes do que se cita, certificar-se da autoria de um texto, expressar-se bem, elegantemente, com um vocabulário farto – tudo isso faz parte de uma educação bem cuidada. E o problema é justamente esse. Não temos educação: temos manipulação da TV, dispersão na internet, excesso de jogos e MSN e falta de livros, falta de conversas, falta de conhecimento em geral.

Mas nem tudo está perdido! Não penso que a internet seja um lugar demoníaco, que deva ser abandonado. Há sites, blogs, escritos inteligentes, bem feitos. Basta saber buscar, escolher, selecionar. Há ciência, filosofia, livros inteiros antigos e contemporâneos, já disponíveis no universo virtual. E é fantástico poder entrar numa biblioteca internacional e achar livros do século XVIII, XIX, XX, e baixá-los gratuitamente… poder entrar num museu virtual e ver obras de arte antigas… poder se associar a um site como Classics Online e ter acesso a 40 mil músicas de todos os gêneros! Poder folhear pela manhã no I Phone, jornais do mundo inteiro!

Por outro lado, poder escrever um poema, um bom texto, uma crônica e no mesmo instante colocá-los à disposição de milhares de pessoas, num blog, num site, divulgando no Facebook, no Twiter… Os recursos tecnológicos são fantásticos, as possibilidades são infinitas! Nós é que temos de ter cuidado para não mediocrizá-los, não torná-los uma distração tola e às vezes viciante!

Podemos e devemos fazer conscientemente nossa resistência cultural e só divulgar coisas realmente consistentes, procurando também fazermos algo pessoal, original e não apenas copiar o que outros dizem que alguém disse! E mais do que tudo, não devemos abandonar os livros, porque eles são ainda (embora nem sempre) a fonte da cultura mais profunda e mais saudável a nosso dispor.



Dora Incontri



Fonte: https://doraincontri.com/2012/03/27/nova-idade-media-o-retrocesso-cultural-no-ciberespeco/
Via: Espiritualidade e Sociedade - http://www.espiritualidades.com.br/
Fonte da Gravura: https://pixabay.com/pt/illustrations/criatividade-imagina%c3%a7%c3%a3o-fantasia-4913196/

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

TEMPOS LÍQUIDOS E AMOR LÍQUIDO COM ZYGMUNT BAUMAN

Uma reflexão acerca dos tempos e dos amores líquidos de nossa época

Um dos maiores críticos da sociedade contemporânea, o filósofo Zigmunt Bauman, discute em suas obras Tempos líquidos e Amor Líquido a fragilidade das relações humanas, que se tornam cada vez mais fracos e vulneráveis, em parte por causa de um mundo que se torna mais virtual do que real, afetando os conceitos de família e comunidade.

Em Amor Líquido, o filósofo analisa as relações amorosas dentro do que ele chama de “modernidade liquida”, ou seja, tempos em que nada dura, nada permanece, tudo muda muito frequentemente, como as relações que não duram, não permanecem como antigamente. Isso se dá a vários fatores, e, segundo o filósofo, um dos principais fatores para a mudança das relações entre os homens é a era da informação e da internet que trouxe uma espécie de interação superficial entre as pessoas, na qual o virtual passou a ser mais importante - por ser mais confortável do que a realidade - do que o real.

Bauman fala sobre a dificuldade atual de termos uma comunicação afetiva, num mundo onde tudo é feito às pressas, onde tudo volta-se para o consumismo, onde tudo é passageiro, a necessidade de solidificar relações está suspensa. Não há tempo para isso, relações são complicadas, e a atualidade mostra que podemos ser superficiais com elas, um passo a mais à perigosa zona de conforto que nos protege do real. As relações são difíceis e por isso mantemo-nos distante delas. E, por causa desta superficialidade, as reais relações, as sólidas, estão cada vez mais raras. Como acontece com um cristal que à primeira queda se quebra, assim são as nossas relações, fracas. Uma vez que passamos por alguma diversidade dentro da relação, ela simplesmente se quebra, se desfaz. Não há força para recuperação, é mais fácil assim.

Para Bauman, as pessoas acostumaram a resolver os problemas simplesmente cortando os vínculos. Não há mais nada com o que se preocupar quando simplesmente nos desconectamos de alguém. É assim que funciona com as relações nas redes sociais. Trouxemos essa função para a vida real. Conectar e desconectar tornou-se a nova forma de relação. Estamos conectados até o momento em que algo falha, daí o caminho mais fácil é desvincular totalmente. O filósofo chama de relações instáveis, realidade instável, amor e afeto instáveis. Não há responsabilidade em relação ao outro. Esta é a banalidade dos tempos e dos amores sem nenhuma solidez.

A obra Tempos Líquidos segue o mesmo raciocínio, mas agora o filósofo reflete conosco acerca da insegurança do ser humano, seja ela dentro das relações pessoais, seja ela na vida profissional ou dentro de nossa própria espiritualidade. Para Bauman, a insegurança de ser quem se é acusa um fenômeno contemporâneo e universal, que cresceu com o advento das grandes metrópoles e da globalização. Um mundo que consome todo o nosso tempo em busca do tentador sucesso faz com que olhemos para nós mesmos como quem corre para alcançar algo que não é instável. Para o autor, somos competidores numa arena global de indivíduos que se chocam violentamente, seja por causa de um objetivo em comum, seja por causa de conceitos diferentes. O filósofo fala sobre os conceitos globais e locais, e estamos perdidos no meio deles. Na obra, o autor afirma que o homem se perde na resposta adequada ao mundo. Nós poderíamos mudar muitas coisas se voltássemos nossas habilidades e preocupações para o lugar onde vivemos, fazendo, deste modo, assuntos de escalas globais serem resolvidos primeiramente numa escala local, abrindo caminhos e fortalecendo ideias e ações para inspirar uma mudança numa escala maior. Mas não temos força, porque pensamos apenas do lado de fora. E pensamos do lado de lá porque temos que correr, competir, ganhar. O indivíduo substituiu o grupo, a comunidade. Essa colisão faz com que a comunidade se evapore em meio à sociedade, e, de novo, temos o conceito de estado líquido das coisas.

Mas Bauman é um otimista, e inspira-se nos utopistas. Para ele, sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Cabe ao homem não adequar-se ou entregar-se ao mundo. Mas formar uma utopia em que se possa enxergar um futuro.




Rejane Borges






Fonte do Texto e da Gravura: OBVIOUS 
www.obviousmag.org