sábado, 6 de novembro de 2010

O ESTADO MONÁRQUICO VERSUS O ESTADO REPUBLICANO

Algumas mudanças, na transição do Império para a República, estavam em andamento, tais como o regime político, o sistema eleitoral, o tipo de relação entre os poderes do Centro (Rio de Janeiro) e dos Estados, a apropriação do poder republicano pelas elites latifundiárias (cafeicultores), o desenvolvimento da cafeicultura, o crescente aumento do capital inglês no financiamento da cafeicultura, a inserção do Brasil  no mercado mundial, a passagem da economia brasileira de comercial para comercial-financeira, a valorização do capital, a abolição da escravatura, a ampliação do trabalho livre, a entrada dos imigrantes e tantas outras mudanças. Pode-se ainda acrescentar que a ideia republicana já estava embutida em vários movimentos de “rebeldia” que ocorreram: Inconfidência Mineira, Inconfidência Baiana, Revolução de 1817, Confederação do Equador e Revolução Farroupilha.

É comum, entre os historiadores, dizer que o Estado monárquico era caritativo e paternalista. A vida se processava numa relação de troca, numa negociação entre o povo e o Império, pois o Estado monárquico promovia, de certa maneira, os auxílios e amparos públicos. De um lado, serviço e lealdade, e, de outro, proteção e recompensa. Isto gerou a ideia de “mentalidade paternalista” e de “paternalismo brasileiro”, e foram construídas, por isto, figuras carismáticas, como o próprio D. Pedro II e D. Obá II. Estes, aliás, tinham as suas bases de sustentação no assim chamado paternalismo. 

Politicamente, eram excluídos os pobres, mendigos e mulheres. Estes ficavam fora da sociedade política. As elites agrárias dominavam o Império, enquanto o povo confiava no paternalismo que, no fundo, era uma forma de dominação implícita, porém, era uma forma de se conseguir alguns “direitos” e proteção numa vida sem expectativas maiores do que a subsistência.

Entretanto, o Império era um obstáculo ao crescimento dos setores dominantes, na medida que era muito centralizador. E ainda outros não se sentiam à vontade no Império, como por exemplo os operários do Estado, para redefinir suas aspirações e papel político. 

Por outro lado, com o Estado Republicano, o Brasil mudava a forma de governo sem revolucionar a sociedade. O povo continuava pobre e as elites na prosperidade. A República instaurada era ainda pouco democrática e muito conservadora, e continuava sendo o país do latifúndio e do café. Contudo, novas transformações políticas abriam caminho, ou seja, desaparecia o Poder Moderador, foi extinto o caráter vitalício do Senado, o desaparecimento da eleição baseada na renda, a extinção da nobreza de títulos, o fim dos governadores provinciais nomeados, dentre outras transformações.

Surge a segunda Constituição Brasileira (a primeira da República) em 1891, impondo a forma federativa de governo, ou seja, dá aos Estados inúmeros direitos. A Constituição instaura também o presidencialismo e o regime representativo democrático. A República nasce com uma estrutura baseada, então, no federalismo, no presidencialismo e na ampliação do regime representativo, embora, na prática, as dificuldades de um pleno funcionamento deixaram muito a desejar. Nem tudo poderia funcionar na prática, pois ainda a sociedade agrária era base e precisava sobreviver. E a inclusão de todos os grupos sociais no processo político abalaria a estrutura produtiva latifundiária, a sociedade agrária.

No mundo das ideias e das mentalidades houve alguma mudança, embora a República não produzisse correntes ideológicas próprias. Porém, as ideias puderam se difundir mais livremente. Houve, inclusive, uma nova atitude dos intelectuais perante a política, atitude esta que não foi fácil no que se refere à convivência pacífica entre a República da política e a República das letras, nos primeiros tempos. Os sentimentos e atitudes, entre as elites, também se tornaram mais livres, bem como ainda a quebra de valores antigos e tradicionais. Isto é transparente no que se refere ao aprofundamento do capitalismo que se processou na República, onde a ética era menos observada em relação à ganância e o lucro.

Temos ainda a prevenção republicana contra pobres e negros, exatamente estes que não aderiram à ideia republicana. Muitos ficaram desapontados com a República, pois pensavam que ela lhes propiciaria uma maior participação, e dentre os desapontados estavam os operários e os intelectuais. A própria população pobre, sem mais aquele Estado caritativo e paternalista, começou sozinha a se auto-administrar e a se auto-prover. Uma espécie de rede comunitária começou a se organizar na falta de incorporação das baixas camadas pela República. Isto, por si só, provocou uma quebra de valores, levando-lhes à uma busca de novos valores e capacidades criativas independentes, apesar de que ainda a cidadania lhes era praticamente negada, pois o acesso aos direitos civis, políticos e individuais era quase nulo, levando a crer que uma decepção e desânimo tomava conta nos primeiros tempos da República, o que em parte pode ser correto.

O avanço burguês era nítido por causa do capitalismo e liberalismo que avançava beneficiando uns e excluindo outros. A própria obrigação do Estado de promover os socorros públicos foi retirada da Constituição de 1891. Os diretos sociais foram até diminuídos em relação ao Império. O endurecimento do sistema republicano tolheu em muito a cidadania e estava levando a uma decepção e desencanto por parte de muitos grupos no início da República. A mudança de regime levou muitos a crerem na ampliação dos direitos dos cidadãos. Mas o contrário ocorria, e ainda os setores vitoriosos obstaculizavam a democratização. As classes médias e o proletariado urbano permaneceram sem forças diante das oligarquias rurais. Os trabalhadores rurais continuaram nas mesmas condições de vida do Império. O sistema de produção, o caráter colonial da economia e a dependência externa também não mudaram em relação ao Estado imperial. Entretanto, a população crescia, a indústria se desenvolvia, aumentava a urbanização, o proletariado e a classe média se espalhavam pela República, o que não ocorria no Império.

Enfim, o que se pode perceber é que o Império já se mostrava corroído e antiquado e não correspondente às novas realidades políticas, sociais e econômicas. A República, apesar de todos os seus problemas e interesses menos dignos, não deixava de ser uma evolução natural de um regime imperial obsoleto, num mundo de constantes transformações. Como assinala Nelson Werneck Sodré, “O Império não foi o paraíso como é apresentado a estudantes incautos. O Brasil, sob o Império, era, na verdade, uma grande fazenda escravista, mal administrada.”


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

-“A República: uma revisão histórica”, Nelson Werneck Sodré
-“Evolução Social do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
-“Formação Histórica do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
-“Os Bestializados: o RJ e a República que não foi”, José Murilo de Carvalho
-“Viva a República!”, Donatello Grieco
-“O Cotidiano da República”, Sandra Jatahy Pesavento
-“História Sincera da República”, vol2, Leoncio Basbaum
-“Brasil em Perspectiva”, Carlos Guilherme Mota (org.)
-“Da Monarquia à República: momentos decisivos”, Emilia Viotti da Costa
-“História Nova da República Velha”, Joaquim J. Felizardo
-“Brasil República”, Hamilton M. Monteiro


Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CAUSAS DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

Podemos dizer que o fim do governo de D. Pedro II foi marcado por uma série de contestações ao regime imperial. Contestações tendo por base a campanha abolicionista, a “questão religiosa”, a “questão militar”, a insatisfação da oligarquia cafeeira, a insatisfação das elites dos setores produtivos das províncias e as transformações sociais e econômicas a partir da Revolução Industrial. Tudo isto demonstrava os efeitos da realidade que estava sendo vivida na época, ou seja, efeitos advindos dos conflitos e mudanças  nas áreas econômicas, políticas e sociais que se difundiam a partir da Europa. Mas, o que realmente movia o Império rumo à República?

A oligarquia cafeeira do Oeste paulista, que integrou o movimento republicano, tornou-se a maior concentradora de poder econômico no Império. Ocupou terras férteis, utilizou o trabalho livre e técnicas mais avançadas no beneficiamento do café. Esse grupo de fazendeiros não dependia do trabalho escravo. Entretanto, não tinha muita influência no sistema político, embora tivesse poder econômico. No final do século XIX, essa elite já não concordava com a política centralizadora do Império. Então, a alternativa republicana já começava a ser vista como único caminho viável para chegar ao poder e acabar com a centralização do Império. Viam, então, para isso, a implantação de uma república federalista. Assim, no decorrer da segunda metade do século XIX, o movimento republicano obteve o apoio da elite cafeeira do Oeste paulista, que o tornou mais influente e poderoso. O Império, que já não tinha o apoio dos setores urbanos, não pode mais contar também com o apoio das elites cafeeiras.

A ideia do federalismo, na questão dos ideais republicanos, deveu-se também à insatisfação das elites de setores produtivos das províncias quanto a sua importância pouco expressiva diante dos interesses do Império no Rio de Janeiro. Insatisfeitos porque encontravam-se afastados das decisões tanto centrais quanto de seus próprios interesses provinciais, pois o Império vivia em torno do Rio de Janeiro. Mais uma fatia, então, começava a se associar aos princípios do republicanismo, por descontentamento.

Perdeu ainda, o Império, o apoio da Igreja (Questão Religiosa). A “questão religiosa” era originada nos atritos entre o alto clero e o governo imperial. Ou seja, o Papa ordenava punições aos religiosos maçons, entretanto, participavam da maçonaria diversos padres, importantes políticos e também elites econômicas. Seguindo orientação papal, os bispos começaram a punir os padres maçons. D. Pedro II, por outro lado, anulava as punições, e uma situação e relacionamento difícil se estabelecia entre a Igreja e o Império. A partir de então, muitos elementos do clero se uniram aos ideais republicanos, pois estes pregavam a separação entre a Igreja e o Estado.

Outro fator que fez o Império perder apoio, foi o descontentamento dos militares (Questão Militar).  A “questão militar” começou com a conscientização, pelos militares, de sua importância. Isso começou depois da Guerra do Paraguai. Antes, os militares eram considerados em segundo plano diante dos civis. A partir de então, os militares começaram a manifestar insatisfação pelo tratamento que recebiam do Império. Com a liderança de Benjamin Constant, que era partidário dos ideais republicanos e positivistas, um grupo de oficiais começava a tornar público as insatisfações militares e juntou-se às causas republicanas. Muitos incidentes ocorriam entre o Império e os militares, pois a estes era proibido qualquer pronunciamento público. Os incidentes acabaram envolvendo chefes militares importantes como o Visconde de Pelotas e o Marechal Deodoro da Fonseca. Tudo isso ia favorecendo a difusão do ideal republicano, agora também já no meio militar.

Estas duas Questões, não sendo exatamente fatores desencadeantes da Proclamação da República, foram demonstrativos ou efeitos do descompasso entre o Poder Civil e o Religioso, no caso da Questão Religiosa; e animosidades entre as Forças Armadas e o imperador, pelo tratamento do governo, o que facilitou a difusão das ideias republicanas e a influência do Positivismo, no caso da Questão Militar.

O Império também apoiava-se na escravidão e, portanto, tinha o apoio dos escravistas. Mas a pressão do abolicionismo foi mais forte e o Império cedeu. Com a Abolição, os tradicionalistas e os escravistas (senhores de engenho do Nordeste e cafeicultores do Vale do Paraíba), que eram fazendeiros, sentiram-se traídos pelo governo imperial e deixaram também de apoiá-lo. A crise da escravidão iniciou-se com o fim do tráfico e foi acelerada pelo crescimento da luta abolicionista, pela imigração e pela elevação dos custos do trabalho escravo. Praticamente todos os cargos importantes do Império estavam nas mãos da tradicional e decadente classe de grandes proprietários escravistas, que queriam preservar a escravidão e o sistema político centralizador do Império. A abolição, para eles, como já me referi acima, foi uma traição.

Transformações econômicas, políticas, culturais e sociais, já vinham ocorrendo no mundo por conta da Revolução Francesa e da Revolução Industrial.  Desta última somam-se ainda as novas condições econômicas onde a agricultura já não era a única fonte de produção, pois começavam a surgir indústrias, organizações de crédito e ferrovias para o melhor transporte da produção. A crise escravista, a mão de obra imigrante e as novas técnicas de produção econômicas reforçaram, portanto, nas novas configurações das mudanças que estavam prestes a ocorrer.

Grupos sociais novos surgem a partir do crescimento da população urbana mais pobre. Surgem os operários, a burguesia e os trabalhadores de indústrias. E isto traz um choque de tradições e culturas, novos métodos de produção no campo, novas tecnologias, conflitos entre o poder político e o poder econômico e ainda novas aspirações que permeavam as mentalidades.

No turbilhão de todos estes conflitos, contradições e jogo de interesses, enfraqueceram-se as oligarquias tradicionais e o próprio Império, favorecendo e fortalecendo o movimento republicano e a consequente Proclamação da República.

Então, podemos ainda perguntar: a República foi uma “revolução” ou uma “evolução natural do Império”? Sabe-se que os republicanos não eram a favor de uma revolução sangrenta. E Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant e outros eram declaradamente adeptos de uma evolução natural do Império à República, segundo as suas crenças positivistas, ou seja, uma lei na história chamada de “inevitabilidade evolutiva natural”.

Mas a Proclamação da República concretizou-se após fracassadas tentativas políticas e um clima de tensão. Os militares foram chamados, e o Marechal Deodoro da Fonseca, reunido com Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva, Francisco Glicério, Cel. Solon Ribeiro, dentre outros, aceitou a proposta de depor o Império e, em 15 de novembro de 1889, levou a cabo a Proclamação da República. As tropas do exército cercavam o Ministério da Guerra, pelo lado militar, enquanto pelo lado civil, Silva Jardim, José do Patrocínio e Lopes Trovão organizavam um ato público em frente à Câmara Municipal, pedindo o fim da monarquia e o início do novo regime republicano.

Enfim, podemos dizer que a República foi proclamada por um grupo que era, no fundo, contra a República. Porém, como um último recurso, viam na Proclamação da República, que pode ser chamada de “golpe”, a oportunidade dar continuidade a seus interesses políticos e econômicos. Este grupo, ou seja, a classe dominante do Império, economicamente falando, sentindo-se sem poderes políticos para que pudesse administrar em prol de seus próprios interesses, e mesmo com uma aberta contradição entre o poder político e o poder econômico, lançou as bases essenciais ao “golpe da República”. Mesmo a contra-gosto, entenderam que somente o ideal federalista e a República poderiam solucionar seus interesses.

Assim, a República foi proclamada, em essência, para favorecer aos grandes proprietários. Uma república que foi proclamada sem a participação do povo (escravos e classes pobres). Este povo, excluído da sociedade, apenas assistia “bestializado”, e à margem, a “parada militar” e o “palco teatral republicano” (conforme as palavras do historiador José Murilo de Carvalho). Por outro lado, também cabe incluir, que não deixou de ter uma inspiração na evolução natural política, conforme as tendências e cenário político, social, cultural e econômico mundial da época (Positivismo, Iluminismo, dentre outros).


Prof. Hermes Edgar Machado Junior (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

-“Brasil: síntese da evolução social”, Aluysio Sampaio
-“Da Monarquia à República: momentos decisivos”, Emilia Viotti da Costa
-“Formação Histórica do Brasil”, Nelson Weneck Sodré
-“Brasil em Perspectiva”, Carlos Guilherme Mota (org.)
-“Viva a República!”, Donatello Grieco
-“Os Bestializados: o RJ e a República que não foi”, José Murilo de Carvalho


Fonte da Imagem: Acervo de autoria pessoal

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O MARQUÊS DE POMBAL

16 de outubro de 1769: o Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, no reinado de D. José I, Rei de Portugal, recebe o título de Marquês de Pombal.


A transformação econômica do século XVIII acontecia paralelamente a uma agitação no nível das ideias. Tal agitação foi conhecida como Iluminismo filosófico, cuja missão era o impulso a uma nova visão de mundo e do homem, baseando-se no retorno à razão.

Em 1750, em Portugal, ocorria o fim do reinado absolutista de D. João V. Momento que ocorria também a transição modernizadora do Estado português. Este, um país atrasado por causa da dependência política e econômica em relação à Inglaterra, de uma imensa burocracia administrativa e de um conservadorismo mental da Igreja Católica, dentre outras causas.

Dentro dessa transição, Portugal já sentia o clima do Iluminismo e do “despotismo esclarecido”. Os “déspotas esclarecidos” eram monarcas e ministros influenciados pelo Iluminismo. O Ministro Sebastião José de Carvalho, no reinado de D. José I, é feito Marquês de Pombal. Este, um seguidor das ideias Iluministas, as mesmas dos filósofos Diderot, Lock, Hume, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Helvetius e outros.

O Estado português encontrava-se enfraquecido, e Pombal buscava revigorá-lo, aperfeiçoando o mercantilismo, no plano econômico, e medidas do espírito iluminista, no campo administrativo. Buscava ainda libertar o Estado da influência direta e impositiva da Igreja Católica que era quase um Estado paralelo. Para isso expulsou os jesuítas de Portugal e do Brasil, pois o ensino era dominado pela Igreja, passando, então, a ser responsabilidade do Estado. A Universidade de Coimbra, por exemplo, foi reformada dentro dos padrões iluministas. No seu ministério foi criada a Real Fazenda, o incentivo à produção do vinho e manufaturas. No Brasil colonial, Pombal estimulou a criação de usinas de beneficiamento de produtos primários destinados à exportação (arroz, couro, fumo etc.), criou novas companhias de comércio, diversificou as atividades agrícolas e artesanais. Também intensificou a opressão fiscal contra a colônia.

Durante 27 anos, Pombal, como principal ministro e homem forte do governo português, buscou reformas, atuando como um “déspota esclarecido”.

Temos, apesar das contradições, erros e interesses, um avanço cultural, social e político. Os fatos históricos, culturais, filosóficos não param no tempo. Há uma constante mudança de maneiras de pensar e ver o mundo. E o Iluminismo, aqui ilustrado na figura do Marquês de Pombal, levou sua Ilustração ou Filosofia das Luzes como um gesto alternativo a um mundo obscuro, feudal, supersticioso e repleto de tradições intocáveis.

As bases rumo à Revolução Francesa estavam prontas, e o “Antigo Regime” estava em vias de cair. O termo “Antigo Regime” (Ancien Régime) era usado para nomear a situação econômica, social e política anterior a 1789. Ou seja, o mercantilismo monopolista, o Pacto Colonial, os restos do feudalismo, e a predominância parasitária do clero e da nobreza.

O Iluminismo, na verdade, reforçou e foi reforçado pela Revolução Francesa. Suas ideias e ideais eram constantemente condenados e reprimidos pela Igreja. Impressos e livros (Enciclopédia) eram constantemente queimados. Entretanto, graças a diversos “clubes de ideias ilustradas” e à Maçonaria, os ideais iluministas continuaram a propagar-se.

Se por um lado o Iluminismo e a Revolução Francesa exageraram em alguns aspectos, ou deram muita ênfase ao racional e a busca de uma liberdade sem limites ou sem responsabilidade em alguns setores, como o econômico, por outro lado o atraso, a ignorância, o luxo desenfreado, os abusos do clero e da nobreza, a situação miserável e escrava das classes trabalhadoras eram insuportáveis.

Assim, o mundo via pela primeira vez algumas mudanças substanciais em diversos setores: nas questões jurídicas, pois começava a garantia legal dos direitos e deveres dos cidadãos; no “esclarecimento” que difundia-se em vários países europeus e americanos; na criação das bases ideológicas da Revolução Francesa e independência das colônias americanas; na educação, cultura e ciências; e na limitação do poder político da Igreja.

O mundo estava precisando de um pouco de Razão e Progresso; de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Os povos precisavam dar oportunidade à razão que há muito estava sufocada pela intolerância religiosa prepotente.

E o certo é que o progresso do homem só será garantido através do livre exercício de suas faculdades, a partir da liberdade de pensar.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

- “O Brasil em Perspectiva”, Carlos Guilherme Mota (org.)

- “Síntese de História da Cultura Brasileira”, Nelson Werneck Sodré

- “A Etiqueta no Antigo Regime: do sangue à doce vida”, Renato Janine Ribeiro

- “O Sistema Colonial”, José Roberto do Amaral Lapa

- “História do Brasil Colonial”, Luiz Roberto Lopez

- “O Iluminismo e os Reis Filósofos”, Luiz R. Salinas Fortes

- “As Grandes Correntes do Pensamento”, Voltaire Schilling

- “A Era das Revoluções”, Eric J. Hobsbawm




Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

RIO GRANDE DO SUL: FRONTEIRA ENTRE DUAS FORMAÇÕES HISTÓRICAS

Diferentemente do Norte e do Oeste brasileiro, que na formação histórica do Brasil eram quase nulos em termos econômicos e sociais, o Rio Grande do Sul, como uma fronteira entre duas formações históricas, teve um papel social e político considerável no que se refere à guerra, ao militarismo e à ditadura.

Quais foram, assim, as relações entre a sociedade do Rio Grande do Sul com a guerra, com o militarismo e com a ditadura?

É conhecido o fato de que a Província, o Rio Grande do Sul, caracterizou-se diferente do resto do Brasil no que se refere à sua formação histórica, pois era a verdadeira fronteira do Império do Brasil com as Repúblicas Hispanoamericanas e que rivalizavam política, militar e economicamente com o Brasil. Verdadeira fronteira porque já havia atividade política, social e econômica, ao contrário do Norte e do Oeste brasileiro que estava ainda em vias de ser “desbravado”.

Juntamente com tal rivalização ocorria ainda a rebelação dos pecuaristas contra o Império brasileiro (Revolução Farroupilha) e o conflito entre classes dominantes regionais (pecuaristas e charqueadores), pois o centro subordinava as periferias em todas as instâncias (política, econômica, militar etc.). Um verdadeiro conflito de interesses dentro da Província (entre elites) e desta com o Império.

O militarismo do Império pesava na Província. Eram muitos recrutamentos, danos de guerra e ainda o constrangedor fato de que quase somente portugueses poderiam ser oficiais. Isto causava um certo desconforto na Província sulista. Um verdadeiro descaso do Império se verificava, e a Província parecia ser vista apenas como uma fonte de renda (impostos) e como um centro militar para a defesa do Império em relação ao Prata e suas ameaças.

Então, a partir da fronteira em guerra, do peso e dos danos militares, da produção pecuária, dos mercados dos seus produtos, dos impostos, da concorrência e da posição que os latifundiários pecuaristas ocupavam em relação a outros grandes proprietários do Império, estabelecia-se uma relação que oscilava na complementaridade, na dependência e na oposição em relação ao Império.

Outro aspecto relevante foi o projeto de criação de áreas de pequenas propriedades no Rio Grande do Sul que acabou transformando a sociedade gaúcha e favorecendo uma diversificação social. Era uma nova experiência produtiva e administrativa que marcava o Sul.

Não pode ser esquecido também que o Rio Grande do Sul, com o Partido Republicano Riograndense (PRR), estabeleceu laços estreitos com o exército nacional, sendo que este partido tornou-se o primeiro partido político moderno do Brasil e realizou, em nível regional, uma longa experiência ditatorial. O PRR foi considerado o primeiro partido moderno do Brasil pois abrigava ideais republicanos e positivistas com suas metas visando o social, a segurança do Estado e do indivíduo.

Vemos, portanto, que a formação histórica sulista possui uma relação fundamental com a guerra, com a ditadura e com o militarismo porque as estruturas fundiárias, sociais e políticas resultaram de uma fronteira em constante estado de alerta ou de guerra; de classes rurais proprietárias, mas geralmente divididas; de experiência com pequenas áreas de propriedade; de diversificações sociais em relação à sociedade brasileira; de um partido político moderno; e do exercício da ditadura.

Através destas tensões e opressões, destes conflitos entre as elites locais e a opressora Corte, o Rio Grande do Sul se fazia palco de experiências sociais e políticas, sendo “sui generis” em relação ao restante do Brasil.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)




Referências bibliográficas e aprofundamento:

-TARGA, Luiz Roberto P. O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas. In: TARGA, Luiz Roberto P. (org.). Gaúchos & Paulistas – Dez Escritos de História Regional Comparada. Porto Alegre: FEE, 1997.

-PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Farroupilha. 3ª ed., São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal

terça-feira, 14 de setembro de 2010

GUERRA DOS FARROUPILHAS: A ECONOMIA REGIONAL GAÚCHA E O LIBERALISMO ECONÔMICO

O Rio Grande do Sul surgia e se desenvolvia no instante em que o mundo rompia as grandes barreiras de ordem feudal e iniciava a Idade Contemporânea. Havia, por toda a parte, um florescimento de ideias contrárias às que predominavam nos tempos medievais. Surgiam novas doutrinas e ideias que, em cada lugar onde alcançavam, tomavam formas e matizes diferentes, de acordo com exigências, interesses e relacionamentos locais, nacionais e internacionais. Daí que se pode perguntar, considerando-se o Rio Grande do Sul, no tempo da “Guerra dos Farroupilhas”, qual a relação que motivava essas exigências, relacionamentos e interesses locais.

Ganhava terreno a doutrina liberal iluminista, onde as leis e as Constituições deveriam ser respeitadas por todos, inclusive pelas classes dirigentes, para que a liberdade, a igualdade e a fraternidade fossem garantidas. Dentro desta ideia também surgia o ideal de federação, ou seja, a descentralização do poder que garantiria a autonomia das províncias, de eleições dos seus governantes e de que impostos recolhidos ficassem no local do recolhimento. Contudo, no Brasil, mesmo que a Independência tenha recebido impulsos do liberalismo, continuou o Estado sendo centralizador e totalitário.

O Rio Grande do Sul, por sua vez, promovia por alguns setores, como a imprensa, dentre outros, o liberalismo republicano e federalista. Há autores que afirmam ter havido influência de ideias republicanas oriundas dos países vizinhos do Prata. Alguns chefes liberais gaúchos, como Bento Gonçalves, por isso, foram acusados de separatistas.

Por um lado, as guerras e o sistema militar do Império desagradavam pelo seu imposto despotismo e oneroso peso sobre a Província. Por outro lado, o principal produto da Província, o charque, tornava-se difícil de concorrer com o produzido no Prata, por dois motivos: pesados impostos que o Império taxava e o sistema produtivo escravista que tornava menos eficaz a produção.

Ainda no Sul, o clero, a maçonaria e as sociedades literárias apoiavam as ideias liberais, republicanas e federativas. O federalismo era necessário e vantajoso para as classes dominantes, pois significava a liberdade econômica em relação ao Império.

Tudo isto ia, aos poucos, somando-se e impregnando a Província de ideias federativas como forma de escapar do estrangulamento político, da condição de periferia e do bloqueio econômico exercido pelas elites do centro do Império.

Observa-se, assim, que a “Guerra” ou “Revolta” dos Farroupilhas foi uma luta pelos princípios liberais e contra o centralismo e o autoritarismo do governo central, ou seja, uma luta entre um grupo oligárquico “gaúcho” contra a administração imperial. Contradições entre o centro e a periferia fizeram, então, eclodir a “Guerra” dos Farroupilhas. Na verdade, um confronto entre as elites do Sul contra as elites do centro imperial. Estas, beneficiárias da Independência, buscavam supremacia e domínio sobre aquelas.

Deste modo, podemos dizer que exigências de mercados, de ascensão da burguesia ou elite local, de poder econômico e de liberdade comercial, inspirados e adaptados do capitalismo e liberalismo econômico, que se alastrava pelo mundo, levou as elites locais a atividades de descontentamento em relação ao Império.

Fica claro, portanto, que há uma relação onde praticamente todas as exigências se inter relacionam, e esta relação está no jogo das questões nacionais e internacionais da época, ou seja, do liberalismo econômico e político que estava fazendo ruir estruturas antigas, tais como o monopólio, o absolutismo e o autoritarismo centralizador. E o “Movimento” Farroupilha, por sua vez, fazia parte dessas exigências locais inseridas nesse jogo das questões e exigências nacionais e internacionais da época.

O constitucionalismo estava tomando força. Entretanto, na formação do Estado Nacional brasileiro, a centralização e o autoritarismo, contrários à doutrina liberal, ainda persistiam, desrespeitando o regional.

Assim, a Província “gaúcha”, tocada pelo liberalismo, agitava-se semelhante à Europa, à América e ao Brasil. Cada uma à sua maneira, ótica e interesses específicos e particulares.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal



Referências bibliográficas:

LOPES, Luiz Roberto. Revolução Farroupilha: a revisão dos mitos gaúchos. Porto Alegre: Movimento, 1992.

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1993.

______________ . A Revolução Farroupilha. 2ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 1994. (Síntese Rio-Grandense-2).

______________ . Modelo Político dos Farrapos. 3ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. (Série Documenta-1).

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. (Série Revisão-1)

_______________________ . A Revolução Farroupilha. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Tudo é História-101).

LAZZAROTTO, Danilo. História do Rio Grande do Sul. 6ª ed. Ijuí: UNIJUI, 1998.

FAGUNDES, Antônio Augusto. Cartilha da História do Rio Grande do Sul. 2ª ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1994.

BARBOSA, Fidélis Dalcin. História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: EST, 1995.

SANTOS, Joél Abilio Pinto dos. O Neoliberalismo, o Federalismo e a Atualidade da Insurgência Federalista dos Farrapos. In: QUEVEDO, Júlio (org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.

ZAGO, Simone Maria. A República Rio-Grandense e o Projeto Constitucional Farroupilha de 1843. In: QUEVEDO, Júlio (org.). Rio Grande do Sul: quatro séculos de história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1999.

FORTES, Amyr Borges. Compêndio de História do Rio Grande do Sul. 4ª ed. Porto Alegre: Sulina, 1960.

TARGA, Luiz Roberto Pecoits. O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas. In: TARGA, Luiz Roberto Pecoits (org.). Gaúchos & Paulistas – dez escritos de história regional comparada. Porto Alegre: FEE, 1997.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O MITO DO GAÚCHO

O mundo tem demonstrado, através dos tempos, uma necessidade de criação de mitos relacionados a temas religiosos, a processos de resgatar “imagens perdidas” e aspirações diversas. A sociedade, praticamente sem se interrogar e questionar sobre a significação dos seus mitos, absorve signos, símbolos e estereótipos.

Levando-se em conta que um mito pode representar uma compensação, servir como substituto de uma realidade não aceita, ou ainda forjar um interesse, seria possível, no caso do estereótipo do gaúcho, enquadrá-lo como um mito?

Há casos de mitos que existem sem que possamos precisar sua origem, pois sua formação não é intencional. Neste caso, nunca houve a intenção inicial de se criar um mito, sendo a sociedade, o tempo e o inconsciente coletivo os responsáveis pelo processo natural e gradativo da criação. Entretanto, há casos de mitos programados antecipadamente, ou seja, a mitificação artificial de coisas e pessoas com fins de conquistar a sociedade para interesses econômicos, políticos e sociais.

No caso do gaúcho, com o passar do tempo, muitas modificações no modo de viver foram observadas. Todas decorrentes das mudanças ocorridas no setor econômico, tais como o crescimento agrícola e industrial e a diminuição da atividade pastoril, esta a mais característica do gaúcho. Assim, o substrato que sustentava o gaúcho “tradicional”, e que o promovia, ruiu. O romantizado e bravo gaúcho teve de enfrentar outra realidade social e econômica.

A partir de então, como um mecanismo de defesa, representantes de ideologias rurais e de identidades culturais feridas passaram a ver e propagar o gaúcho com características míticas e heróicas dos “bons tempos” passados como discurso para sua sobrevivência.

Em suma, se considerarmos como verdadeiro que haja um mecanismo de defesa dos representantes de interesses ideológicos e saudosistas, e como também verdadeiro que haja uma defesa dos “bons tempos” como substituto de uma realidade atual não aceita, pode-se dizer que o estereótipo do gaúcho é enquadrável como um mito. Um caso típico de mito forjado e programado artificialmente com o intuito de conquistar uma sociedade, que absorve símbolos sem questionamentos, para tentar justificar determinados interesses econômicos, políticos e sociais em processo de extinção.


Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)



Referências e sugestões bibliográficas:

- “Nós, os Gaúchos”, Sergius Gonzaga e Luis A. Fischer (coord.), Ed. da Universidade

- “O Gaúcho”, Carlos Reverbel, Ed. LPM

- “RS: Cultura & Ideologia”, José H. Dacanal e Sergius Gonzaga (coord.), Ed. Mercado Aberto

- “Modelo Político dos Farrapos”, Moacir Flores, Ed. Mercado Aberto

- “Origem e Evolução da Ideologia”, Otto Alcides Ohlweiler, Ed. da Universidade

- “Sociologia Geral”, Eva Maria Lakatos, Ed. Atlas

- “O Gaúcho a Pé”, (um processo de desmitificação), Elizabeth R. Lara, Ed. Movimento e FISC

- “História do Rio Grande do Sul”, Danilo Lazzarotto, Ed. UNIJUI

- “Rio Grande do Sul: 4 Séculos de História”, Júlio Quevedo (org.), Martins Livreiro Editor

- “O Homem e seus Símbolos”, Carl G. Jung, Ed. Nova Fronteira

- “Convite à Filosofia”, Marilena Chaui, Ed. Ática



Fonte da Gravura: Acervo de autoria pessoal