“... a abolição libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte.” (Florestan Fernandes)
A crise da escravidão no Brasil foi um processo lento e incerto. Teve início com o Bill Aberdeen, de 1845, e com a Lei Eusébio de Queirós, de 1850.
Com o fim do tráfico internacional, a escravidão entrava em progressivo colapso, auxiliada pelo processo de decadência do Império, e para defender esse sistema de trabalho a aristocracia escravista recorria ainda a todos os instrumentos possíveis, da violência à política.
Marcante no Brasil e que impulsionou para acabar com a escravidão foi o chamado Movimento Abolicionista. Os escravos sempre lutaram contra a escravidão, porém, a partir de meados do séc. XIX, essa luta passou a empolgar também uma parcela da população livre urbana. O estímulo deveu-se a uma série de acontecimentos internacionais, dentre eles, destaca-se, a oposição inglesa à escravidão e que ia abrindo espaço à reafirmação dos princípios liberais de igualdade jurídica, muito apreciado pelos abolicionistas.
Setores urbanos também juntaram-se ao movimento quando começaram a perceber que a relação entre o fim da escravidão e desgraça econômica era uma habilidosa montagem de ideias visando desarmar os opositores à escravidão.
Sabe-se que o grande contingente de escravos concentrados na região Nordeste teve como elemento causador a economia açucareira do início da colonização. Entretanto, esse quadro começou a mudar com a queda do comércio açucareiro e o deslocamento da matriz econômica do Nordeste para o Sudeste, com o crescimento e a valorização do café. Devido à cultura do café houve um aumento significativo do número de escravos em São Paulo, trazendo consigo todas as pressões e tensões relativas ao trabalho forçado.
Tais pressões e tensões tinham como motivos: - a contradição entre a fé cristã e a prática da escravatura, - a contradição entre liberalismo e a escravidão, ou seja, os ideais de liberdade e igualdade sociais e jurídicas, princípios básicos do liberalismo, se confrontavam com a realidade de pelo menos 40% da população que não era contemplada com esses direitos, e - a tensão por detrás do trabalho forçado, ou seja, a oposição e resistência dos escravos, das mais variadas formas, motivadas pela conscientização e desejo da possibilidade da conquista da liberdade.
Assim, ia se processando uma mudança de mentalidade do Estado em relação à escravidão que iria afetar: - a questão dos magistrados, - uma forte pressão externa, uma crescente luta dos escravos por sua própria integridade; e - uma divisão entre fazendeiros do Nordeste e Sudeste.
E a luta pela emancipação acontecia, então, em meio às disputas entre o governo e a classe dos proprietários rurais e no bojo dos acontecimentos sociais da época.
Surgia ainda a Lei do Ventre Livre, em 1871, que por sua vez também garantia oficialmente o direito à compra da liberdade e à prática do Estado na libertação de seus escravos. A aprovação dessa lei deveu-se muito ao grande número de representantes políticos do Nordeste que, com o deslocamento de escravos de sua região para o Sudeste, provocados pela corrida do café, deixaram de temer a questão abolicionista.
Pelas pressões externas e internas, portanto, a escravidão ia, aos poucos, se desorganizando. E isso tomava força porque os escravos também estavam se inserindo na realidade de uma construção de consciência nacional e de cidadãos, principalmente pela apropriação da língua e costumes.
Assim sendo, quando a Lei Áurea foi promulgada (1888), apenas ratificou toda essa situação, o que não deu, de fato, por encerrado a escravatura no Brasil.
Cabe aqui destacar que a figura da Princesa Isabel não possui nada de bondosa; ela assinou a Lei somente porque não havia outra alternativa a partir de fortes pressões e contextos sociais, políticos e econômicos nacionais e internacionais, principalmente devido ao processo civilizatório. A ciência historiográfica faz cair por terra ídolos forjados, tanto por interesses diversos e obscuros, quanto por ignorância.
É importante trazer à tona que, ao contrário do que afirmavam os escravocratas, o país não mergulhou no caos com o fim da escravidão. Na verdade, foram os interesses dos escravocratas que foram frustrados.
Em suma, para os negros libertos foi grande, e continuou a ser, a dificuldade de integração na sociedade. Enfrentando um racismo mal-encoberto, sem oportunidades de melhorar a situação material, os negros formaram a camada mais explorada das classes populares. E mesmo com dificuldades e sacrifícios tentavam eliminar tudo o que lembrasse a escravidão.
A difícil relação entre senhores e escravos agora tomava a forma de discriminação entre brancos e negros. Estava se consolidando o racismo, a marginalização e a discriminação racial e social contra o negro; realidade esta que se prolonga até hoje.
Prof. Hermes Edgar Machado Jr. (Issarrar Ben Kanaan)
Referências e sugestões bibliográficas:
- “Da Monarquia à República: momentos decisivos”, Emilia Viotti da Costa
- “Brasil: Síntese da Evolução Social”, Aluysio Sampaio
- “História Sincera da República”, Leoncio Basbaum
- “A Abolição”, Emilia Viotti da Costa
- “O Sistema Colonial”, José Roberto do Amaral Lapa
- “Brasil Império”, Hamilton M. Monteiro
- “História do Brasil Imperial”, Luiz Roberto Lopez
- “Evolução Social do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
- “Formação Histórica do Brasil”, Nelson Werneck Sodré
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